Restaurar as florestas tropicais do Brasil não se trata apenas de carbono e árvores, trata-se de pessoas

23 de abril de 2021 | São Paulo, Brasil | De Pedro Alves

Por Miguel Moraes, Diretor Sênior da Conservação Internacional Brasil

 

No ano passado, queimadas varreram áreas protegidas das florestas tropicais do Brasil, destruindo árvores, vida selvagem e plantas preciosas para os habitantes daquelas áreas. Em março, o desmatamento atingiu um novo recorde. Quase 20% da floresta amazônica já desapareceram desde a década de 1970. No ano passado, a área desmatada passou de 9.900 km2.

Estamos, agora, em um momento de vida ou morte quando se trata de proteger esse precioso ecossistema.

O Brasil é um país extenso, com 8,28 milhões de quilômetros quadrados, por isso, tem uma grande biodiversidade. A maneira enriquecedora em que o clima, as plantas, os animais e as pessoas estão ligados à terra sempre me deu um senso de propósito. Sou um ecologista que passou muito tempo nas profundezas da Amazônia fazendo um recenseamento das plantas, e cada viagem de campo me deixou um pouco mais apaixonado por ela. Quando estamos ali, vivendo a profunda conexão entre as pessoas e a natureza, podemos sentir que nada será como antes para nós. É uma grande experiência de mudança de vida.

Miguel Moraes, da Conservação Internacional do Brasil, com sua esposa no rio Gregorio, no estado do Acre, após uma visita aos Yawanawá, um povo indígena que trabalha para preservar sua conexão com a natureza. (Foto: cortesia de Miguel Moraes)

Miguel Moraes, da Conservação Internacional do Brasil, com sua esposa no rio Gregorio, no estado do Acre, após uma visita aos Yawanawá, um povo indígena que trabalha para preservar sua conexão com a natureza. (Foto: cortesia de Miguel Moraes)

A floresta amazônica, a maior do mundo, abrange nove países, porém, 60% dessa exuberante floresta pertence às fronteiras do Brasil. O desmatamento na Amazônia brasileira está relacionado, principalmente, à atividades ilegais, como extração de madeira, mineração, grilagem de terras e invasões territoriais.

As provas científicas nos dizem que essas atividades estão nos colocando em uma situação perigosa. A Amazônia está se aproximando de um ponto crítico, no qual o aumento das temperaturas pode transformá-la em um ecossistema semelhante ao Cerrado, com menos árvores, extensas pastagens e um clima seco. Muitas espécies acostumadas com as condições de umidade da Amazônia estão lutando para sobreviver.

Se continuarmos por este caminho, a floresta perderá sua capacidade de capturar carbono, e o despejará no ar em grandes quantidades. Se isso ocorrer na Amazônia, o problema mundial de emissões de carbono se tornará pior. Não apenas comprometeríamos a capacidade da natureza de se autorregular, mas também a capacidade da natureza de se regenerar.

Além disso, há o impacto na agricultura, que tanto alimenta as pessoas, quanto oferece uma oportunidade para os agricultores ganharem a vida. Grande parte do ciclo hidrológico da América do Sul – porque a água é transferida através do solo, das rochas e da atmosfera - depende da umidade da Amazônia.

Vista do Monte Pascoal, na Mata Atlântica do litoral da Bahia. O desmatamento ameaça as florestas tropicais do Brasil, reduzindo sua capacidade de capturar carbono e piorando o problema mundial de emissões de carbono. (Foto: Flavio Forner/Conservação Internacional)

Vista do Monte Pascoal, na Mata Atlântica do litoral da Bahia. O desmatamento ameaça as florestas tropicais do Brasil, reduzindo sua capacidade de capturar carbono e piorando o problema mundial de emissões de carbono. (Foto: Flavio Forner/Conservação Internacional)

Para os povos indígenas da Amazônia, as invasões territoriais e as atividades ilegais geraram insegurança alimentar, doenças e disputas de poder. No longo prazo, elas levarão a uma erosão cultural. À medida que as tradições são destruídas, são perdidas as identidades culturais, línguas e canções tradicionais são esquecidas, os valores e crenças sofrem grande influência. No fim, ocorre uma ruptura da relação fundamental entre as pessoas e a natureza.

A gravidade do problema é real e o tempo é essencial. Ainda não existe uma tecnologia que possa substituir a floresta tropical. É por isso que os esforços de conservação e reflorestamento, como a Coalizão Priceless Planet , são tão importantes.

Lançada pela Mastercard em janeiro de 2020 com meus colegas da Conservação Internacional e do World Resources Institute, a Coalizão Priceless Planet une os esforços de consumidores, instituições financeiras, comerciantes e cidades no combate a mudança climática, por meio da restauração de 100 milhões de árvores em cinco anos.

Estou animado com o fato de que muitas dessas árvores crescerão no Brasil, na Amazônia e nas florestas tropicais do Atlântico. No curto prazo, essas árvores transformarão terras degradadas em ecossistemas em regeneração. No longo prazo, os benefícios serão sentidos por todas as pessoas, plantas e animais conectados a essas florestas tropicais.

A técnica de cultivo conhecida como muvuca compreende o plantio de uma grande mistura de sementes para produzir plantas nativas, restaurando o solo de áreas degradadas e cultivando florestas diversificadas. Aqui, trabalhadores preparam sementes para espalhar uma muvuca em uma área de restauração fora do Parque Indígena do Xingu, no estado de Mato Grosso. (Foto: Inaê Brandão / Conservation International)

A técnica de cultivo conhecida como muvuca compreende o plantio de uma grande mistura de sementes para produzir plantas nativas, restaurando o solo de áreas degradadas e cultivando florestas diversificadas. Aqui, trabalhadores preparam sementes para espalhar uma muvuca em uma área de restauração fora do Parque Indígena do Xingu, no estado de Mato Grosso. (Foto: Inaê Brandão / Conservation International)

Certa vez, uma líder Yawanawá me disse que liderou sua aldeia em uma busca por identidade. Ela percebeu que eles nunca seriam outra coisa senão indígenas, e seu único caminho era se reconectarem com a natureza – para, mais uma vez, estabelecer uma relação íntima com a floresta que influenciou sua cultura ao longo dos séculos.

Por esse motivo, também incluímos em nosso plano de restauração 17 espécies nativas, que podem servir de alimento, remédio ou adornos religiosos para os habitantes locais. É provável que todos conheçam ao menos algumas delas, como o cacau, a castanha-do-pará e o açaí. Ao proteger essas plantas, a floresta atenderá às necessidades - físicas e espirituais - das comunidades vizinhas, ao mesmo tempo que preserva a biodiversidade que atende a todos os habitantes deste planeta.

Pedro Alves

Communications, Brazil & South Cone Division
Pedro.Alves@mastercard.com